Voltamos ao suplemento Brazil, Capital Desterro. Paramos na página 25. No alto da página, em letras garrafais, o título: “Dr. Aderbal”. O nome assustava. Por isso, os editores do caderno especial que O Estado publicou em 14 de maio de 1976 capricharam no tamanho das letras. Era para dar a dimensão exata, expressar o gigantismo daquele nome [ainda] poderoso.
Como muitos ilhéus passados dos 45 anos de idade, tive o privilégio de conhecer o dr. Aderbal. Entrevistei-o em duas ocasiões, no Iate Clube Veleiros da Ilha, onde o chefe político passava parte de seus dias. Como já não podia fumar, por causa do enfisema pulmonar, segurava um cilindro de madeira no formato idêntico ao de um cigarro. Não me lembro das matérias que fiz com ele, perdidas nos arquivos dos jornais onde trabalhei. Recordo, no entanto, de suas expressões, de seu sorriso, da fala mansa, do cilindro de madeira entre os dedos.
Ele era uma figura impressionante; mesmo com aquele jeito pacífico de avô, Dr. Deba, como também era chamado, recebia aliados e apadrinhados no Veleiros, para longas conversas e conselhos apropriados. Experiente, ele encarnava à perfeição a imagem de um velho comandante, aposentado, mas ativo. Tinha um feeling incrível.
Descobriu Esperidião Amin Helou Filho sentado atrás de uma escrivaninha da Secretaria da Educação, em 1975, graças a uma indicação do engenheiro agrônomo Glauco Olinger. O fundador da Acaresc [hoje Epagri] destacou as qualidades técnicas [o rapaz era um tecnocrata] de Amin para Aderbal e outros líderes da cidade. A prefeitura precisava de um choque de gestão, não de um político. Amin foi o escolhido, num ritual muito simples: Aderbal ungiu seu nome.
No longo depoimento concedido a Elaine Borges, Murilo Pirajá Martins, Luiz Paulo Peixoto e Rômulo Coutinho de Azevedo, Aderbal falou:
– Sou um ilhéu bem-humorado, enamorado pela cidade e preocupado com seu futuro. Fico tranqüilo de saber que agora ela está em boas mãos. Este rapaz, o Dão [apelido de infância de Esperidião Amin Helou Filho], é muito honesto, leal e competente. Herdou coisas muito ruins, teve que corrigir muitos erros de seu antecessor [Nilton Severo da Costa, ex-diretor geral do Instituto Estadual de Educação]. Ele tem bons planos. Um exemplo é este boulevard que estão projetando para a Felipe Schmidt [calçadão]. Vai mudar a fisionomia da cidade, para melhor. Ainda me espanto com esta cidade, com seu crescimento rápido. Outro dia, estava no Centro e queria uma carona para o Veleiros. Era um dia de vento Sul com chuva e eu achei: “Bem, eu sou uma pessoa conhecida na cidade, não demora passa alguém”. Mas tive que esperar meia hora. Até que passou alguém.
O trecho publicado aqui é o final do depoimento. Escolhi-o por causa da análise que Aderbal fez de Florianópolis e do futuro da cidade.
O início da página – o leitor pode achar que isto aqui está uma bagunça; mas está mesmo – diz assim:
"Durante os últimos 30 anos a política florianopolitana praticamente girou em torno de um único personagem. Político nato, ele soube representar entre nós a figura do chefe hábil e incontestável, presente em todas as horas da vida da cidade e do Estado. Numa manhã ensolarada de abril, de frente para a Baía Sul, o ex-governador Aderbal Ramos da Silva, Doutor Deba ou simplesmente Doutor, prestou a [segue-se a relação dos entrevistadores] o seguinte depoimento":
– Eu sou um ilhéu. Nasci aqui mesmo, no Palácio. O Palácio está muito ligado à minha vida. Nasci nele, fui governador e vou acabar voltando para lá quando morrer. Isso dependendo do inquilino, é claro. Se for esse que está lá atualmente, sei que vou [Antônio Carlos Konder Reis governava o Estado em 1976]. Eu nasci no Palácio porque meu avô era governador. Meu avô era o Coronel Vidal Ramos, avô por parte de mãe, que quando eu nasci estava exercendo seu segundo mandato, de 1910 a 14. Meu pai, que se chamava João Pedro Silva e mais tarde chegou a desembargador, era juiz em Blumenau nessa época. Houve uma enchente, de modos que minha mãe veio se refugiar aqui e acabei nascendo no Palácio da Praça 15, que ainda era a residência dos governadores.
Minha infância foi comum. Em casa me chamavam Deba, apelido que pegou. Até hoje me chamam Doutor Deba. Quem me colocou o apelido foi minha irmã, que não sabia dizer Aderbal e dizia “Debá”. Meus primeiros anos, passei em Blumenau, onde entrei na escola, o Grupo Escolar Luiz Delfino, quando aprendi a ler. Com oito anos vim para Florianópolis e continuei meus estudos ali no Grupo Silveira de Souza; em seguida no Ginásio Catarinense, de onde saí em 1927. Havia completado meus estudos aqui e fui para o Rio um ano depois. Esses tempos eram bons, Florianópolis era um a cidade muito diferente do que é hoje. Tudo mais calmo, mais sossegado. Assisti à inauguração da Ponte Hercílio Luz, que foi o maior acontecimento da época. Eu tinha 15 anos e fui com meu pai. Era um dia muito frio, de muito vento Sul. Quem inaugurou a ponte não foi o Hercílio Luz, que tinha morrido, mas o Bulcão Viana, que era o presidente da Assembléia e governador em exercício. A ponte estava começando a mudar a cidade. Ainda me lembro muito bem de quando a gente tomava a lancha “Valente” para ir ao Estreito. Muitas vezes fiz isto.
[Continua amanhã]
domingo, 15 de julho de 2007
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