sábado, 21 de julho de 2007

Um vexame histórico [Parte 2]


Os Doces Bárbaros, reunindo Gil, Betânia, Caetano e Gal, em Florianópolis. Foto original da revista Manchete

Ninguém contesta, na cidade, a ação dos policiais. No Senadinho, centro gerador de fofocas de Florianópolis, na Rua Felipe Schmidt, o delegado Elói Gonçalves de Azevedo passou a ser chamado de Pavão Misterioso. Foi a maneira encontrada pelos xerifes do Senadinho para condená-lo por ter colocado numa cela comum, medindo 2 por 4 metros, um bacharel em administração de empresas, que tinha direito a prisão especial. Não só por isso mas, também, por ter convocado a imprensa e tentar convencer Gilberto Gil a se deixar fotografar dentro do cubículo em que foi recolhido.
– “Se fizermos uma pesquisa, vamos chegar à conclusão de que 80 por cento dos habitantes da cidade não receberam muito bem a prisão do cantor. Outros 20 por cento não tomaram conhecimento ou não vão querer dar sua opinião” – diz o prefeito de Florianópolis, Esperidião Amin Helou Filho. E o comentário nas ruas é de que Curitiba entregou um abacaxi para Florianópolis. Desejando se promover, o delegado resolveu descascá-lo, criando um tumulto.
O policial mostrou vários processos onde está envolvida “gente famosa dentro e fora do Estado, que já foi presa e recebeu o artigo II da lei antitóxicos, número 5.726, de 20 de outubro de 1971”, que permite o recolhimento a um hospital por tempo indeterminado, mas suficiente para a recuperação do paciente. Ela só foi aplicada no caso de Gilberto Gil por decisão do juiz Ernani Palma Ribeiro, admirador do juiz carioca Eliezer Rosa, pai de sete filhos, que autorizou a liberdade, sob custódia, de Gil e Chiquinho para que o show programado não deixasse de ser apresentado.
– “Confesso que fiquei impressionado com a humanidade do cantor Gilberto Gil, quando ele se apresentou para prestar depoimento. Era um homem que reconhecia a sua transgressão e admitia, publicamente, o erro praticado. Não só isso, como o vício de fumar maconha.”
Perante o juiz, Gil declarou que havia começado a fumar maconha há oito anos, numa fase de ansiedade aguda. Disse desconhecer que o ato de fumar maconha representava um crime, embora sabendo que o tráfico e o porte eram passíveis de punição. Justificou também o vício como “uma maneira de melhor atingir uma introspecção mística necessária para se concentrar”. Não fez segredo de ter provado LSD no período em que morou em Londres, mas que não havia se tornado um dependente. Chiquinho, por sua vez, “confessou ser viciado em maconha e revelou desejar abandonar o vício”.
– “Com essas informações, determinei o internamento de ambos, designando o Dr. Pedro Largura, diretor do Manicômio Judiciário, para apresentar um diagnóstico sobre as condições dos dois na próxima segunda-feira.”
Quanto à hipótese do processo ser transferido para uma outra cidade, não existe a menor possibilidade. Ele tem que correr na cidade onde o delito foi praticado. Embora não podendo revelar o seu diagnóstico, o Dr. Pedro Largura é favorável ao internamento de Gil e Chiquinho, devendo fazer essa recomendação ao juiz Palma Ribeiro. A Promotoria, através do Dr. Valdomiro Baroni, não deverá criar obstáculos, recorrendo da sentença, caso seja essa decisão do juiz Palma Ribeiro, “considerando que o Poder Público tomou as providências cabíveis no caso, ficando o restante para ser cuidado pelos médicos.”
– E você, Gil, como recebeu tudo o que está acontecendo?
– “Não tenho imunidades para portar e fumar maconha, pelo simples fato de ser cantor conhecido e representar alguma coisa em termos culturais para o Brasil. Estou naquela de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Sou responsável por tudo o que está me acontecendo e terei contas a prestar unicamente a meu filho. Não tenho problemas de culpa. Eu uso a maconha e sabia que portá-la era um crime. Desconhecia que fumar também era um crime.”

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