O ator Paulo Autran, morto ontem, numa capa de livro que, para mim, sintetiza a beleza de sua personalidade teatral. A peça Liberdade, Liberdade foi encenada em abril de 1965, no Rio de Janeiro, com Autran, Nara Leão, Tereza Rachel e Oduvaldo Vianna Filho no elenco. Era uma colagem de textos de Rangel, Millôr e outros autores. Foi um marco na resistência artística à ditadura militar
Paulo Autran, o melhor ator do País, tanto podia interpretar um clássico de Shakespeare quanto o texto de um jovem autor brasileiro. Com sua experiência e gabarito, ele gostava de prestigiar os novos talentos. Foi assim que, no início da década de 1980, tive oportunidade de conhecer o grande artista um pouco mais de perto, embora muito rapidamente. Àquela época, trabalhei em São Paulo com um dos jovens autores nacionais, José Saffiotti Filho, que escreveu uma das peças de maior sucesso nos anos 1970 – “A Rainha do Rádio”. Querendo dar um plus à sua carreira, Saffiotti produziu um texto sob medida para Autran, de alta dramaticidade, com personagens fortes e diálogos densos, filosóficos. Fizemos uma leitura dramática (não lembro bem, mas acho que no teatro da Faap), com a presença de um bom público. Foi o primeiro teste da peça, que não tinha o impacto popular de “A Rainha do Rádio”, mas que poderia – segundo imaginava Saffiotti – atrair um público mais maduro, interessado em profundas reflexões sobre o sentido da vida e, mais que isso, com Autran no palco.
Saffiotti se encontrou várias vezes com o ator. Autran ligava para nosso trabalho pelo menos duas vezes por semana, para saber como estavam os preparativos (produção, cenografia, assessoria de imprensa – esta, de minha responsabilidade – etc.). Infelizmente, quando tudo já estava bem adiantado, Autran telefonou um dia para dizer que havia pensado melhor, que tinha outros projetos, que aquela peça de Saffiotti poderia, quem sabe, ser produzida no ano seguinte... Nem preciso dizer que o autor entrou em parafuso, ficou chateado, deprimido, perdeu inteiramente o estímulo – e engavetou aquela peça, que nunca foi encenada, porque havia sido escrita para Paulo Autran. Eu, da mesma forma, também custei a superar o epsiódio, porque já tinha me envolvido emocional e profissionalmente com o projeto.
Mas era preciso seguir adiante. Saffiotti esqueceu o assunto, dedicou-se a outras peças, menos ambiciosas, e eu procurei me concentrar na literatura e na música. Em suma, desisti do teatro – do qual já havia desistido uma vez antes, na década de 1970.
Minha admiração por Autran, no entanto, nunca se abalou. Sempre fui tiete dele. Todas as vezes que veio a Florianópolis, pôde contar com minha presença na platéia, para aplaudir a beleza de seu talento. Assistir a sua interpretação em “A Tempestade”, de Shakespeare, foi um momento marcante de minha vida.
sábado, 13 de outubro de 2007
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